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Por uma história recente da gravura e seus ateliês

Bruna Kim

março 2024



Há um tempo iniciei um recorte de pesquisa pessoal - a história da gravura paulista através de seus ateliês. Minha motivação foi genuinamente o fato de eu estar montando meu ateliê. Mas o estímulo veio também pela lacuna a ser preenchida sobre publicações que contem a história da gravura mais recente, pelo menos em São Paulo, onde existiram e existem ateliês importantes. Não há uma publicação, nesse sentido, há alguns bons anos. Eu gostaria que os jovens que se formam hoje soubessem, por exemplo, que no Memorial da América Latina houve um ateliê de gravura. Ou que em 1979, alguns alunos da FAU resolveram fazer uma editora de livros de gravura de maneira flutuante - que não tinham uma sede fixa e produziram por 25 anos.


Enquanto a pesquisa não inicia oficialmente, vou começar esse bonde falando de minha pequena história: eu me formei em 2009, e trabalhei desde a graduação junto da artista Helena Freddi. A prensa que eu tenho veio de seu ateliê, o HF atelier de gravura, e foi feita pelo Renato Terra, há cerca de 20 anos. Desse ateliê veio também, em ocasião da mudança de endereço do HF e dos diversos encaminhamentos de materiais que acontecem nesses momentos, a dissertação da artista e pesquisadora Ana Kalassa,“A imagem gravada e o livro: as publicações da Sociedade dos Cem Bibliófilos do Brasil, aproximações às poéticas brasileiras entre os anos 40 e 60”, de 1996, e que me deixou impressionada enquanto documento sobre a história recente da gravura. Foi orientada pelo professor José Roberto Teixeira Leite.


A dissertação, é um registro minucioso sobre a história da gravura brasileira e do livro ilustrado. Várias informações históricas que eu buscava estavam já ali, devidamente registradas,  como a existência da Edições João Pereira, fundada em 1979 por Luise Weiss, Feres Khoury, Rosely Nakagawa e Rubens Matuck, que faziam edições de livros de gravura. Luise Weiss foi minha professora no mestrado, então foi legal ter encontrado essa história.

 

Vou transcrever aqui o resumo da dissertação, pois ele já nos enche de informações e nos inspira a prosseguir com a leitura, que está disponível na íntegra em PDF, no repositório da Unicamp (vou deixar o link no final):



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“A imagem gravada e o livro:

as publicações da Sociedade dos Cem Bibliófilos do Brasil,

aproximações às poéticas brasileiras entre os anos 40 e 60”


Ana Kalassa El Banat


UNICAMP - 1996


Resumo


No Brasil o desenvolvimento da gravura é relativamente recente, com iniciativas esparsas e isoladas até o começo do Século XX. Muitos dos primeiros gravadores que aqui se instalaram estiveram ligados, direta ou indiretamente, às primeiras tipografias oficiais que são implantadas no Brasil, à partir da chegada do Rei D. João VI.

A valorização da gravura como meio expressivo independente só se deu de forma definitiva no começo desse século, pela atuação de artistas como Carlos Oswald, que a conheceu na Europa e sonhou ver florescer uma gravura nacional.

Entre esses pioneiros destacaram-se Oswaldo Goeldi, Lívio Abramo e Raimundo Cela, que a duras penas solidificaram a importância da gravura na arte brasileira. Alguns deles fizeram escola e deixaram seguidores, expandindo o conhecimento da gravura e garantindo seu reconhecimento no exterior como fez também Marcelo Grassmann.

Ainda hoje é sob o exemplo desses pioneiros e de seus descendentes que a gravura no Brasil está consolidada.

A imagem do que aconteceu na Europa, a expansão da gravura como meio expressivo entre artistas e público, tem muito a dever às publicações de gravuras em livro, como ilustração ou em álbum de artista.

Sem dúvida que nosso mercado editorial para esses livros sofreu de atraso cronológico em relação à Europa, mas se nossa produção nunca pode, nem deve, ser comparada, em quantidade, à produção europeia, especialmente a francesa; as edições de gravura no Brasil, entre os anos 40 e 70, alcançaram expressiva qualidade gráfica. Não só pelo trabalho de ilustradores e ilustrações mas porque, também no Brasil, se difundiu a ideia de valorização do livro como um objeto a ser apreciado, desfrutado por seu valor estético. Simbolo de conhecimento, de cultura e mesmo de status social.

Não só pelo trabalho de ilustradores e ilustrações mas porque, também no Brasil, se difundiu a ideia de valorização do livro como um objeto a ser apreciado, desfrutado por seu valor estético. Símbolo de conhecimento, de cultura e mesmo de status social.

Incentivada pela ação de editoras, editores, bibliófilos e eruditos, criou um mercado para gravura e gravadores que não existia até então.

Desde as primeiras iniciativas, quase isoladas, já se pode perceber o influxo de uma nova formação em que gravura e literatura agem como colaboradores dentro do universo do livro. Ampliando o conceito de decorativismo que esteve ligado à ilustração.

Tipografia e estampa são colaboradores plenos em um projeto estético que busca, no resgate da tradição, uma nova possibilidade de materialização qualitativa.

Esses empreendimentos tentaram implantar, dentro das condições brasileiras, uma mentalidade contemporânea para edição de gravuras. Oferecendo novas perspectivas de trabalho, atrairam para suas oficinas os pioneiros da gravura brasileira e artistas que eram pintores, sem discriminação.

Incentivaram a produção nacional nascente, num esforço que não deve ser desprezado.

A gravura e o livro construíram no Brasil uma história que completou mais de 60 anos e que teve em Osvaldo Goeldi seu grande pioneiro.

Os anos 40 e 50 foram especialmente importantes para a formação da identidade da gravura brasileira.

Em tempos em que ainda não existiam os grandes museus e galerias voltados para arte moderna, inaugurados a partir de 1950, as edições de gravuras em livros, jornais e revistas, foram veículos divulgadores e mesmo formadores de uma cultura visual para esse novo meio expressivo.

Entre esses empreendimentos destacaram-se: "Obras Completas de Dostoievski", da José Olympio; as publicações dos Cem Bibliófilos do Brasil; a Philobiblion de Manuel Segalá, xilógrafo e tipógrafo, todas no Rio de Janeiro. Em Niterói, a Hipocampo, em Recife, o Gráfico Amador. As publicações do Clube de Gravura de Porto Alegre e tantas ações independentes, editadas pelo próprio artista ou como projetos isolados em certas editoras.

Entre elas, os Cem Bibliófilos se destacaram pela publicação de 23 titulos, aproximadamente 400 estampas, realizadas por gravadores e pintores de importância para a época. Portinari, Livio Abramo, Iberê Camargo, Darel, Poty, Marcelo Grassmann, Djanira, Cicero Dias, Clóvis Graciano, Santa Rosa, Enrico Bianco, Heloisa de Freitas, Cláudio Correa e Castro, Carybê, Aldemir Martins, Babinski, Eduardo Sued e Isabel Pons.

Edições de luxo e restritas a um pequeno público, mas que ajudaram a abrir caminho para a gravura, oferecendo ao artista a oportunidade de realizar estampas de qualidade.

Nos anos 70 a Macunaima com Calasans Neto, a Martins com Obras Completas de Jorge Amado e Julio Pacello com seu projeto editorial, ambos em São Paulo.

Os anos 80 foram de poucas iniciativas na área da gravura e o livro. As novas condições do mercado elevaram o preço e tornaram inviável a comercialização de um conjunto fechado de estampas, as muito das novas propostas experimentais da linguagem gráfica não se adequavam mais ao pequeno espaço do livro e o mercado editorial direcionou-se para outros caminhos. Totalmente industrializado, não sente mais a mesma intimidade com à gravura que tanto animou seus pioneiros.

As poucas iniciativas que sobreviveram, centraram-se em livros de estampas, com destaque para a João Pereira, de São Paulo, principalmente pelo trabalho de Luise Weiss.

Nos anos 90 essa relação entre o livro e gravura praticamente desaparece.

Álbuns de gravura continuam sendo editados mas são iniciativas sob um novo contexto.




link para baixar a dissertação: https://hdl.handle.net/20.500.12733/1583335


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sobre Ana Kalassa El Banat e seu percurso na gravura


Sou Artista Visual, arte-educadora e professora universitária e minha produção artística teve início ainda na infância, mas foi só em meados dos anos de 1980 que decidi pelo curso de Educação Artística e passei a interagir com esse campo de forma profissional. E foi no curso de graduação pela Universidade Estadual de Campinas (1990) que encontrei a gravura ou talvez tenha sido ela que me encontrou. A gravura em metal, a monotipia e o desenho são os processos que me acompanham até hoje, processos gráficos com os quais dou vazão às sensações e imagens que povoam meu imaginário.

A formação na gravura contou com a influência de mestres como Marco Buti, Evandro Carlos Jardim, Lygia Eluf e impressores como Antônio Albuquerque entre os ateliês universitários da UNICAMP, da USP e do MAC Ibirapuera e nesses ateliês pude conviver e ver produzir artistas importantes para a gravura contemporânea.

Na gravura em metal a linha ganha força, volume, profundidade e um resultado aveludado que só a ponta seca pode oferecer. E é em meio a esse campo de linhas de força que minha poética se constitui, unindo a gravura a técnica mista e tendo como suporte as páginas de livros que fazem parte da história da minha família.

Sou neta de um imigrante árabe, formada entre as disputas religiosas e territoriais entre a Síria e a Turquia, cujo filho se casou com uma descendente de imigrantes italianos, portugueses e filhos da terra. Em meio a esses encontros afetivos o livro foi, de muitas formas, um interlocutor para a compreensão das relações culturais, mas, principalmente, um veículo que conforma múltiplas estéticas, olhares e possibilidades de leitura, de simbologias e de compreensão do mundo e de si.

A escrita árabe, com seu desenho sinuoso, sua formatação própria e seus adornos é uma interlocutora, um estímulo visual e uma ligação a esse campo afetivo e familiar a partir de onde inscrevo meu imaginário. São suportes também os livros caixa remanescentes do comércio da família e cadernos desgastados, usados desde a infância. Sobre esses rastros impressos ou produzidos à mão, intencionalmente ou não, inscrevo meus gestos.

São sinais que grafam formas ligadas ao corpo. Ao meu corpo, ao corpo feminino, como uma alegoria, e ao corpo vegetal, particularmente aquele que tenho no meu pequeno jardim. Esses corpos, em sua organicidade, são urdidos e tramados pelas múltiplas linhas: aquelas já impressas no suporte, as linhas da gravura, do desenho, da monotipia e da costura a partir dos quais procuro por formas visuais que expressam as relações intensas, dinâmicas e ambíguas do meu corpo com o espaço, entre identidades e alteridades.

Para o desenvolvimento profissional acadêmico conclui o doutorado em História pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2005) e mestrado em Artes pela Universidade Estadual de Campinas (1996). Atuo nos campos de História da Arte e Arquitetura e de Ensino de Arte nas Universidades Santa Cecília e Metropolitana de Santos. Sou escritora de material didático para essas universidades, destacando-se para a UNISANTA, em 2023, História da Arte e Arquitetura: internacional e do Brasil e Panorama da Arte Brasileira e, em 2022, Estética e História da Arte e Arquitetura e Museus e Patrimônios Históricos e Culturais, produzido em 2020 e atualizado em 2023. Organizei material educativo para a Pinacoteca de Santos: Café com Calixto, em 2022, ano em que também fui curadora da Exposição Fotopoiesis para essa instituição. Participo de exposições coletivas e individuais desde 1983, destacando-se em 2023 a coletiva Gravura em foco: um recorte da coleção do Gabinete de Gravuras da UNICAMP, com curadoria de Sérgio Niculitcheff, realizada no espaço cultural Casas da Boia, de SP.













Ana Kalassa

 Mátria, 2024

monotipia, desenho, costura











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